quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Vermelho Dicotômico


Kurt Schwitters


Ai como eu quero apertar aquele botãozinho vermelho! Aquele botãozinho vermelho que no meio de todos os outros pretos, é vermelho! Botãozinho que não pode ser apertado, mas que também qualquer um não pode deixar de não pensar em apertá-lo. Entendeu? É um botão, é vermelho e posso não apertá-lo, mas sempre hei de querê-lo apertar!


Botãozinho vermelho que mexe comigo, mexe com minha cabeça e que eu não posso mexê-lo. Hipnotiza minha mente e desce para o úmero e alastra pelo cúbito e rádio e atrai minhas falanges. Seduz meus músculos a tocá-lo! Botão, maldito botão, vermelho numa vermelhidão! Tão belo e tão vermelho. Explodirá? Ejetará? Auto-destruirá?


Botão vermelho que me faz suar, transpirar numa ansiedade. Aperto? De leve, senti-lo, degustá-lo, tão liso, tão apertável e tão vermelho. Sirenes? Explosão? Aflição. É um botão, foi feito para ser apertado, mas e o vermelho? Porque vermelho? Porque só este é vermelho? Vou apertar! Não, não, vou esbarrar, sem querer!- sem querer vou esbarrar neste botão vermelho! Estão olhando? Câmeras? Alguém? só eu e o botão e o vermelho? Ai que vermelho!


Sem digitais, pra quê digitais? Digitais não! Vou esbarrar sem deixar digitais! Com o olécrano, de leve, de susto, por cima da blusa e sem digitais. Não! Preciso senti-lo, sentir o vermelho. No três. Um, dois, não... Eu corro? Esbarro no botãozinho vermelho e corro? Vou correr! Um, dois, dois e meio e, corro no três ou corro no já? No três! Um, dois, e e e, três! Mas corro pra onde? Certo, sem corrida. Esbarro no botão vermelho no três e não corro! Sirenes? Explosão? Ejeção?


Sem contar, sem correr, só apertar! Apertar o botão vermelho e só. Vou apertar! Não? Tudo bem, não vou apertar! Eu quero apertar, é vermelho e é um botão! Apertarei! Tão pequenino, imponente, sobressalente. Numa imensidão sem cor, um rubro que destoa. Quer ser apertado, botãozinho vermelho? Vou apertá-lo! Respiração ofegante, pulso acelerado... é tenho que apertar! Que som é esse? Só isso botão vermelho? Esse discreto som? “Pois não senhor, o elevador está com problemas?”

- Não, não, apenas esbarrei neste botão. Me desculpe!


Maldito botão, maldito elevador, maldito vermelho!

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A sensatez não é de senso

Marcel Janco 1916

Quem é vivo sempre re-escreve, mas com absoluta certeza, quem me lê, me conhece, me vê e sabe que ainda vivo, mesmo nestes dias bucólicos de chuva. Isso mesmo, chuva! Apesar de não ser viva, resolveu re-aparecer. Mas não me apeteço de chuva como muitos deste Planalto Central, que há meses investigavam o contínuo azul do céu em busca de uma cinzenta nuvem. “Ali ó, ali, algo cinza no céu!” e era fumaça, e era incêndio e era o calor esquentando as idéias. Mas novamente, não é a chuva ou a falta dela, que me aflige, pelo menos, não o suficiente para eu vir gastar papel. Pessoas! Pessoas são sempre as responsáveis por eu vir, sentar e derramar minhas aflições.

Pessoas são seres pomposos de vazio. Quanto mais vazio lhe é possuidora, mais gostam de desfilar. Entenda-se vazio como aquilo que falta. Como gostam de esbanjar o que lhe faltam. Se são pobres, passam por ricos; se possuem dúvidas sobre a masculinidade, tornar-se-ão preconceituosos pois é a solução. E assim podemos exemplificar por horas. A dita, lógica inversa, a que contraria o senso comum, impera nos homens. E advinha? Isso é tão senso comum. Se queres mostrar que tens dinheiro, durma na simplicidade, se queres mostrar que és mais homem do que é, acomode-se na tolerância.


Contraditoriamente, ser senso comum não é algo bom, é algo ruim, muito ruim. E é contraditório porque vivemos em uma homogeneização cultural. Um dos efeitos colaterais da internet é justamente isso. Algo que foi feito aqui, pode repercutir em todo mundo e assim, cria-se uma cultura mundial. Idéias, comportamentos, gostos, tudo é compartilhado, tudo é consumido. Concomitantemente, a globalização de marcas, produtos e serviços contribuiu ainda mais para a criação da cultura “internética” mundial. Ver, saber e gostar de McDonald’s não é o suficiente para estar inserido, é necessário que se “viva” o McDonald’s, assim como o americano, o chinês e assim vai.

Esquecendo toda esta parte técnica, ser senso comum é de senso comum, ruim. Para tentar buscar a individualidade, percebo comportamentos, no mínimo, curiosos. A valorização da desgraça peculiarmente, me chama a atenção. Como títulos de nobreza, as pessoas exibem, exaltam doenças que em suas cabeças, as tornam únicas. “João, o bipolar”, “Bárbara, a que tem duas vezes mais chance de ter câncer intestinal”. E se não vira um pomposo jogo de títulos, torna uma competição, “Tenho rinite e refluxo, dois pontos pra mim”, “Já eu, sou bipolar, tenho depressão e uma unha encravada!”, “É realmente você ganhou com a unha encravada...”. É bom deixar claro que as pessoas só gostam quando a doença não mata, tem um estranho nome e o status é maior quando as patologias obrigam-nas a tomar algum remédio, pois a bonança é o remédio e de brinde, além da individualidade, ainda barganham por um pouco de pena alheia.


Ah o ser humano, o ser único humano! Tudo isso, lembra-me um herói grego, é na fuga do destino que o destino é armado. Na ânsia de ser anti senso comum é que o vulgar é construído. Da lógica reversa aos “games patológicos”, resta-nos o senso comum de sermos sensatos!