Marcel Janco 1916
Quem é vivo sempre re-escreve, mas com absoluta certeza, quem me lê, me conhece, me vê e sabe que ainda vivo, mesmo nestes dias bucólicos de chuva. Isso mesmo, chuva! Apesar de não ser viva, resolveu re-aparecer. Mas não me apeteço de chuva como muitos deste Planalto Central, que há meses investigavam o contínuo azul do céu em busca de uma cinzenta nuvem. “Ali ó, ali, algo cinza no céu!” e era fumaça, e era incêndio e era o calor esquentando as idéias. Mas novamente, não é a chuva ou a falta dela, que me aflige, pelo menos, não o suficiente para eu vir gastar papel. Pessoas! Pessoas são sempre as responsáveis por eu vir, sentar e derramar minhas aflições.
Pessoas são seres pomposos de vazio. Quanto mais vazio lhe é possuidora, mais gostam de desfilar. Entenda-se vazio como aquilo que falta. Como gostam de esbanjar o que lhe faltam. Se são pobres, passam por ricos; se possuem dúvidas sobre a masculinidade, tornar-se-ão preconceituosos pois é a solução. E assim podemos exemplificar por horas. A dita, lógica inversa, a que contraria o senso comum, impera nos homens. E advinha? Isso é tão senso comum. Se queres mostrar que tens dinheiro, durma na simplicidade, se queres mostrar que és mais homem do que é, acomode-se na tolerância.
Contraditoriamente, ser senso comum não é algo bom, é algo ruim, muito ruim. E é contraditório porque vivemos em uma homogeneização cultural. Um dos efeitos colaterais da internet é justamente isso. Algo que foi feito aqui, pode repercutir em todo mundo e assim, cria-se uma cultura mundial. Idéias, comportamentos, gostos, tudo é compartilhado, tudo é consumido. Concomitantemente, a globalização de marcas, produtos e serviços contribuiu ainda mais para a criação da cultura “internética” mundial. Ver, saber e gostar de McDonald’s não é o suficiente para estar inserido, é necessário que se “viva” o McDonald’s, assim como o americano, o chinês e assim vai.
Esquecendo toda esta parte técnica, ser senso comum é de senso comum, ruim. Para tentar buscar a individualidade, percebo comportamentos, no mínimo, curiosos. A valorização da desgraça peculiarmente, me chama a atenção. Como títulos de nobreza, as pessoas exibem, exaltam doenças que em suas cabeças, as tornam únicas. “João, o bipolar”, “Bárbara, a que tem duas vezes mais chance de ter câncer intestinal”. E se não vira um pomposo jogo de títulos, torna uma competição, “Tenho rinite e refluxo, dois pontos pra mim”, “Já eu, sou bipolar, tenho depressão e uma unha encravada!”, “É realmente você ganhou com a unha encravada...”. É bom deixar claro que as pessoas só gostam quando a doença não mata, tem um estranho nome e o status é maior quando as patologias obrigam-nas a tomar algum remédio, pois a bonança é o remédio e de brinde, além da individualidade, ainda barganham por um pouco de pena alheia.
Ah o ser humano, o ser único humano! Tudo isso, lembra-me um herói grego, é na fuga do destino que o destino é armado. Na ânsia de ser anti senso comum é que o vulgar é construído. Da lógica reversa aos “games patológicos”, resta-nos o senso comum de sermos sensatos!